As três matérias abaixo foram publicadas no jornal O Globo de ontem, todas no primeiro caderno; as duas primeiras na seção O País e, a última, na seção Economia.
DOS TERREIROS PARA OS CURRAIS ‘DOS SANTOS’
Em Recife, babalorixás e ialorixás lançam candidatos próprios para defender interesses da umbanda e do candomblé
Letícia Lins
RECIFE. Cansados de ser ora alvo da perseguição de políticos — que costumam desaparecer após as eleições — ora de seus interesses, babalorixás e ialorixás pernambucanos resolveram contra-atacar: lançaram em Pernambuco candidatos próprios para representar interesses da umbanda e do candomblé. Filiados ao PT, ao PCdoB e ao PTB, eles disputam eleições como legítimos indicados de pais, mães e filhos de santo nos três principais municípios da região metropolitana: Recife, Jaboatão dos Guararapes e Olinda, numa articulação que é inédita no estado.
A ialorixá Joana Maria da Silva, a Mãe Jane, oito filhos biológicos, oito adotivos e uma multidão de seguidores, diz que a decisão se estenderá a outras eleições para a Assembléia e a Câmara dos Deputados:
— A gente elege vereador, deputado, governador. Eles vêm aos terreiros, dançam, cantam, comem a comida do candomblé, mas, assim que se elegem, nos dão as costas. Não nos conhecem mais. Precisamos de representantes no Legislativo, porque tudo o que nos é devido é cortado. A Igreja Católica tem representantes e os pentecostais também — afirma Mãe Jane, de 61 anos, 41 de culto aos orixás.
Historiadora e comandando a Casa Illê Axe Oyá Egunytá, em Olinda, Mãe Jane lançou o filho candidato a vereador. Ele disputa um mandato pelo PCdoB e usa na propaganda eleitoral o nome que o atrela à mãe-de-santo: Fernando de Mãe Jane. Nos panfletos de propaganda eleitoral, não faz referência aos terreiros e se autoproclama um “ativista das causas justas”.
NA CAMPANHA, TERREIROS PEDIRÃO ISENÇÃO DE IPTU
Mãe-de-santo da Bahia elogia iniciativa de colegas pernambucanos
RECIFE. Outros dois candidatos representam os terreiros em Olinda: Mestre Afonso (PT) e Roberto das Águas (PTB). Em Jaboatão dos Guararapes, a 18 quilômetros do Recife, os terreiros indicaram Pai Gil (PT) e, em Recife, Júnior Afro (PT), filho espiritual de Mãe Jane, apoiado por Mãe Lais Alodê. Um dos principais articuladores do movimento que levou os terreiros a lançarem candidatos, Júnior, no entanto, não faz referência direta à umbanda ou ao candomblé em sua propaganda política.
Os terreiros já têm uma primeira sugestão a fazer para os candidatos: querem isenção de IPTU, a exemplo do que ocorre com os templos católicos e evangélicos.
— Não cobramos dízimos dos nossos seguidores — afirma Mãe Jane.
A mobilização pernambucana arrancou um elogio de Jaciara Ribeiro, ialorixá baiana que esteve em Recife para prestigiar o lançamento dos candidatos.
— A gente já se escondeu por muito tempo. Enterramos nossos orixás debaixo de santos católicos por causa da repressão e fomos muito perseguidos em outros momentos da história. Não queremos mais ficar na invisibilidade — reclama Mãe Jaciara, que tem um terreiro em Salvador, onde já sofreu perseguições e até ameaça de ser queimada no meio da rua.
Intolerância religiosa ocorreu até os anos 80
Durante a escravidão, pais e mães-de-santo foram obrigados a esconder seus orixás sob os santos católicos, o que deu origem ao sincretismo religioso. Já no Estado Novo, a perseguição aos terreiros era lei, segundo recorda Mãe Jane. Ela diz que a polícia invadia os templos afro e prendia seus seguidores. Em Pernambuco, muitos babalorixás chegavam a ser presos ou recolhidos como loucos em hospitais psiquiátricos.
A perseguição institucional foi diminuindo, mas a intolerância persistiu até a década de 80, quando os terreiros passaram a ser cadastrados na polícia como centros de diversão. Para as celebrações em dias de festa, pais e mães-de-santo pediam autorização na delegacia mais próxima para fazer seus cultos. O horário para as festas também era limitado. Na década de 80, a Assembléia Legislativa de Pernambuco aprovou lei assegurando a liberdade de religião e tirando da polícia o direito de monitorar os terreiros.
Mãe Jane diz que a atitude política que os terreiros tomam agora é uma tentativa de garantir direitos. Hoje, as políticas públicas para religiões de origem africana são um dos temas debatidos pelo Comitê Estadual de Promoção de Igualdade Racial, ligado ao governo do estado.
— Depois de muita luta, os governos finalmente nos olham de outra forma, mas ainda enfrentamos muita perseguição, como a dos pentecostais. Com representantes saídos do próprio meio, as coisas ficarão mais fáceis — diz ela.
MISSA DE 7º DIA TAMBÉM É RELAÇÃO DE CONSUMO
Mal-atendida, família quer providência
Luciana Casemiro
No dia 8 de agosto, às 19h30m, alguns minutos antes da abertura oficial dos jogos olímpicos de Pequim, a família e os amigos do medalhista olímpico, Affonso Évora — medalha de bronze, com a seleção brasileira de basquete, em 1948 — estavam reunidos na Paróquia da Ressurreição, em Copacabana, em sua memória, pelo sétimo dia da sua morte. A cerimônia, que sua neta Andréa Évora Cals pretendia cheia de significados, inclusive pela coincidência da abertura da Olimpíada, acabou se transformando em motivo de revolta.
— Como a igreja cobra por esses serviços, é uma relação de consumo e, por isso, decidi escrever para a “Defesa do Consumidor” para contar do nosso descontentamento. Afinal, contratamos uma missa específica para homenagear o meu avô, e isso foi tudo o que não aconteceu — diz Andréa, que também mandou um e-mail para a paróquia.
Ela afirma que o padre foi substituído na última hora por um outro religioso que fez uma cerimônia de 20 minutos, em tom agressivo: — Queríamos homenagear meu avô, ter algum conforto, mas o que tive foi uma aula exatamente contrária do que tínhamos aprendido ser o catolicismo. O padre, irado, em seu sermão afirmou que algumas religiões “idiotas” pregavam que todos os caminhos levam a Deus, mas que não levam. Falou de inferno e, por fim, disse que só permitiria que eu lesse um texto sobre o meu avô, após a sua saída do altar.
A Arquidiocese do Rio de Janeiro afirma que apurou o acontecimento, que foi confirmado por funcionários da Paróquia da Ressurreição. A entidade se desculpou com os familiares e propôs a realização de uma outra missa em memória de Évora, o que foi aceito.
— A Arquidiocese reconheceu, o que foi muito bom. Mas, não quero carregar culpas pela minha reação. Usei os recursos que eu tinha para reagir ao mau serviço que nos foi prestado — conclui Andréa.
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