15 agosto 2006

Mania de saudade

Sou uma pessoa de manias. Tenho mania de guardar lembranças em caixas de sapato, mania de arrumação, mania de colecionar canecas, mania de não gostar de conversar logo pela manhã... e acho que as manias foram aumentando depois que eu passei a morar sozinha e não tive mais ninguém pra me dizer que era uma chatice absoluta cada uma das novas manias que foram surgindo.
Mas tem uma mania antiga, que eu preservo desde a infância, que é a de ter cadernos onde eu escrevo um pouco de tudo. Escrevo o que eu penso, o que os outros pensam e que eu acho que combina comigo, além de coisas que naquele momento não tem lá muito sentido, mas que eu sei que no futuro poderão fazer a diferença.
E foi isso o que aconteceu com o texto que eu vou trancrever agora. Ele tá guardado num desses cadernos há muitos anos, já foi lido e relido um montão de vezes mas, agora, ele parece que se encaixa perfeitamente ao meu momento, já que eu tenho um irmão que mora longe, um pai que morreu, uma cachoeira da infância, o gosto de uma fruta que nunca mais comi ainda presente na boca, uma cidade que eu nunca esqueci e essa mania infeliz de seguir pensando e sentindo saudades de alguém de quem eu simplesmente não sei mais, mas que tenho a mania de insistir em achar que um dia ainda vou saber de novo.
*
Em outra vida, devemos ter feito algo muito grave, para sentirmos tanta saudade
(Miguel Falabela)
*
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo que o tempo nunca perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.
Contudo, quando o amor de uma acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter. Saudade é basicamente não saber. Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio. Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia. Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ela tem comido bem por causa da mania de estar sempre ocupada, se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua preferindo Malzbier, se ela continua preferindo suco, se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados, se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor, se ele continua cantando tão bem, se ela continua detestando Mc Donalds, se ele continua amando, se ela continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo! Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer. É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso... É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler.

6 comentários:

Nick disse...

LINDO! LINDO! LINDO!
Tô com saudades de vc!

Anônimo disse...

Ai ai!!! :)

*********************** Zuzu

Anônimo disse...

Sentir saudades: tão lindo e tão doloroso ao mesmo tempo...
do que foi tão bom!
que dói por agora estar tão distante...
Mas só sente quem realmente soube e sabe viver cada momento.

E eu sinto tanta saudade...
De vc também, Sammy!
Beijos amiga...

Anônimo disse...

Minha amiga, não escreve um troço destes aqui! Eu tô no trabalho, não posso ficar com os olhos vermelhos, marejados, não posso demonstrar fragilidades, não aqui...rs

Este texto é lindo, eu conhecia...q bom lê-lo novamente! O Miguel Falabella escreve divinamente e eu colecionava os textos dele que saíam no Globo toda quinta-feira. Acho q ainda estão comigo, guardados numa pastinha amarela...

Me lembrei de duas frases que refletem mto desse sentimento, que chamamos de saudade:
"Ausência - uma falta que fica ali presente"
"Lágrima - sumo que sai dos olhos qdo se espreme um coração"

Beijo grande,
Dany

PS: q engraçado, tb estou vivendo uma fase de saudades, tenho sentido saudades de tantas coisas...

SS disse...

Na verdade acho que a gente tá sempre sentindo saudade de alguma coisa ou de alguém. E é nessas horas que eu me orgulho de falar português e saber que só nós conseguimos expressar esse sentimento numa palavra, que se torna tão forte quanto o sentido em si cada vez que é dita ou escrita!

Anônimo disse...

Tenho saudades de tantas coisas. Que não iam caber aqui....

beijos,