13 dezembro 2009

Arroubos - Adriana Falcão

Paixões passam.

Há quem procure entender essa transitoriedade de várias maneiras. Inclusive através da fisiologia: “Paixões são resultados de reações químicas produzidas no cérebro.” Os que pensam assim costumam explicar o funcionamento dos neurotransmissores, e citar o efeito de uma série de substâncias, tais quais “dopamina”, “ocitocina” e “norepinefrina”, como prova da inexistência do Cupido. Existem estudos aprofundados acerca dessas teorias. Alguns chegam a estabelecer as condições ideais para o surgimento da paixão, ou até mesmo seu prazo de validade. Um desses, em especial, vindo de uma universidade americana, pretende comprovar que os seres humanos são biologicamente programados para se sentirem apaixonados durante um período que pode ir de 18 a 30 meses – tempo hábil para um casal se conhecer e produzir o que a natureza espera deles, a perpetuação da espécie: uma criança.

Há também os que procuram negar o caráter passageiro das paixões. São os donos das almas mais românticas, ou mais teimosas. Para esses, o exemplo de um casal de velhinhos que ainda se ama depois de 50 anos de casados é uma prova inconteste de que as paixões podem ser eternas.

Mas há ainda quem conteste essa prova, argumentando que o casal de velhinhos, por mais feliz e amoroso que seja, não é exatamente “apaixonado”. “Ele ainda vomita de nervoso porque vai encontrá-la na cozinha?” “Ela é capaz de passar a manhã num salão de beleza, e a tarde lendo Proust, apenas para impressioná-lo no jantar?” (* Paixão – sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão – Aurélio Buarque de Holanda).

Enfim, há todo tipo de gente nesse mundo, e muitas correntes de pensamento, mas o fato é que, pelo visto, e absolutamente contra a minha vontade, parece que as paixões, do tipo “paixão enlouquecida”, passam mesmo.

E, então, cada qual tem seu destino.

Algumas se transformam em outro sentimento – amor, afeto, desprezo, ódio, obsessão, amizade – e, aí sim, podem durar anos, às vezes até uma vida inteira.

Outras vão habitar o mundo das paixões que simplesmente passaram e pronto.

São as que foram efêmeras, não tiveram consequência, não surtiram efeito, não alcançaram êxito, não viraram romances nem causaram estragos. Provocaram promessas, arrepios, frios na barriga, alegrias e agonias, enquanto cumpriram sua existência, mas estiveram apenas de passagem. E, se estiveram de passagem, pode-se deduzir que seguiram para algum lugar. Que lugar seria esse?

Imagine-se um castelo de contos de fadas. Não, ele não fica na Disney, mas numa outra dimensão, inatingível à percepção humana. Como acontece em viagens extrassensoriais e filmes de ficção científica. “O castelo das paixões que passaram.” Ali elas vivem. Pode ser que se orgulhem de sua competência, de sua carreira e de seu passado. Pode ser que se sintam complexadas ou impregnadas de amargura, como alguém que foi aposentado contra sua própria vontade. Pode ser que continuem ardendo e sofram com isso.

Eu gosto de imaginar que as paixões que passaram se transformaram em véus. E que uma ventania que ainda está por vir um dia espalhará esses milhões de véus pelo mundo. E que vai ser muito divertido viver no meio de um mundo de gente ensandecida, atordoada de paixão, por tudo quanto é lado.