06 março 2006

Ideais

Há uns anos atrás eu fui ao bar com uma amiga da faculdade e o dono do lugar, meu amigo de longa data, se encantou pela moça. Eles não trocaram mais do que três palavras - dentre elas um oi e um tchau - mas, ainda assim, ele definiu que aquela era a mulher com quem ele queria se casar.
E casou mesmo. Depois de cerca de três ou quatro anos cercando a menina, fazendo visitas a ela no trabalho, tentando incansavelmente levá-la pra jantar ou pra qualquer outra coisa que ela fazer, finalmente ele a venceu - talvez pelo cansaço - e com menos de seis meses de namoro eles se casaram numa cerimônia simples, sem festa, e se mudaram pra outro país, na esperança de que lá conseguiriam realmente se conhecer, além de arrecadar grana suficiente pra comprar um imóvel por aqui.
A vida lá fora foi mais difícil do que eles imaginavam, e logo o casal estava de volta, mas com o casamento já em crise. Bastaram poucos meses no Brasil pra que cada um tomasse um rumo diferente, ela inclusive se mudando pra outra cidade que não aquela onde ele morava.
No dia em que foi marcada a audiência pra assinatura do divórcio, fui almoçar com o meu amigo, que estava muito triste com toda a situação. E não pude me furtar à pergunta: o que deu errado? Você tinha tanta certeza de que ela era a mulher da sua vida, aquela que você idealizou, a perfeita...
E foi esse, justamente, o erro! Ele a idealizou. E se esqueceu de prever que ela talvez não fosse, na vida real, a personagem que ele havia criado.
*
Resolvi escrever sobre isso não só em razão da minha própria natureza, que é ultra fantasiosa e muitas vezes me prega peças, mas também porque tenho visto muita gente em torno de mim que tembém cria personagens a partir de seus parceiros - ou daquelas pessoas que gostariam que um dia o fossem - e que, ao se deparar com quem essas pessoas realmente são, ou seja, ao conhecer o intérprete da personagem, na maior parte das vezes sofre uma decepção horrível. As chances de que as fantasias que nós criamos em torno do próximo correspondam à realidade são mínimas, infelizmente.
Mas o pior ainda está por vir. Quando idealizamos alguém, o fazemos por inteiro, nos achando capazer, até, de prever suas atitudes, sentido e sentimentos. E quando o parceiro não age ou reage de acordo com essa previsão, nós o cobramos por isso, com frases feitas do tipo "Jamais imaginei que você faria algo assim...". E é aí que a gente descobre que o ideal não foi atingido, que a expectativa não foi correspondida e que o que de verdade queremos não é nada daquilo.
*
Ok. Problema exposto. Mas como tentar evitá-lo? Como fugir dessa armadilha que armamos pra nós mesmos? Estou mais do que aberta ao debate! :)
Andei pensando nisso e cada vez mais acho que devemos tentar nos distanciar do ideal em prol de uma maior aproximação com o que é real. Acho que temos que tentar conhecer melhor as pessoas com quem nos relacionamos e criar em relação a elas expectativas que elas sejam capazes de atingir, e não sonhos. Até porque nada é tão prazeiroso quanto acertar na mosca o presente que a pessoa queria ganhar, usar o perfume que ela gosta de sentir, bastar um olhar pra que um saiba exatamente quais as intenções do outro, saber o que vai surpreender e dar brilho aos olhos daquele que é o ser mais importante pra você naquele momento... E esses acertos só acontecem quando as pessoas se conhecem de verdade, nunca quando são a personificação de um sonho.

20 comentários:

Anônimo disse...

Sammy, a grande chave é NUNCA QUERER MUDAR O OUTRO, pois vc gostou da pessoa do jeito que a conheceu.
Claro que na vida a dois devem existir adaptações, mas nada de mudanças radicais, porque isso acaba com a bela essência do começo.

SS disse...

Eu concordo com você - seja lá você quem for - quando diz que a gente não deve querer mudar a pessoa que conhecemos, mas a minha questão está baseada na pessoa que NÃO CONHECEMOS e que, por isso mesmo, idealizamos, ou seja, naquela pessoa que apenas sabemos quem é, mas com a qual não convivemos e que, ainda assim, se torna nosso "objeto de desejo" e em relação à qual criamos expectativas que ela nem sempre estará apta a atingir.

Anônimo disse...

Isso dá uma longa discussão certamente!
As atrações, acho eu, costumam se dar por 2 motivos: física ou comportamento (incluindo aí a personalidade, temperamento e outras qualidades intrínsecas). Muitas relações se desfazem, antes mesmo de começar, pq falta aos amantes apaixonados, maturidade suficiente pra distinguir principes (ou princesas) de seres humanos apenas. Seres que vão nos encantar mtas vezes, mas q tb vão nos aborrecer tantas outras. Há defeitos possíveis de tolerar, há defeitos possíveis de mudar e há tb os inaceitáveis. É preciso conhecer as diferenças. É preciso saber extrair o melhor do outro e de si mesmo. Sem precisar enxergar um personagem. Sem precisar se tornar um personagem. Pq todo intérprete têm sua parcela de magia e encanto para outro interpréte. A questão mais difícil é se encontrarem.

SS disse...

Matou à pau, Dany!
Tô sem palavras...

Obrigada!

Anônimo disse...

só pra complicar ainda mais a coisa,
infelizmente existe o problema de que mesmo que voce queira muito conhecer de verdade a mulher que te encantou as vezes ela não te deixa conhece-la de fato. Voce se apaixona não pelo personagem que voce
idealizou sozinho mas sim pelo personagem que ela inventou pra voce . Depois é claro que ela cansa de representar e ai voce se ve diante de uma estranha. Voce fica pessimo e ela tambem, é claro...

GG disse...

Essa questão do "ideal" é muito complicada. Ainda mais quando a auto-defesa cria uma aura quase intransponível, onde você acredita que todos têm defeitos, assim se protege para não se decepcionar mais.

No entanto, é uma maneira meio triste de se viver, infelizmente. Fica aí a decisão de cada um se entregar de cabeça e arriscar bater a cabeça com força no fundo, ou ficar pulando no rasinho a vida toda.

SS disse...

Pro "outroanonimo":
Uma coisa é não conhecer definitivamente a pessoa e outra, bastante diferente, é ser enganado por ela. Acreditar numa mentira que te foi imposta não estava previsto no meu questionamento, que se baseou nas "mentiras" que nós mesmo eventualmente criamos!
Conviver com alguém que demonstra ser alguém diferente de quem realmente é certamente é temporário, já que ninguém sustenta a personagem por muito tempo e, neste caso, você está coberto de razão: a tristeza e a decepção, pra ambos, é grande e certeira!

Pro GG:
Não acho que a idéia seja a de que a gente deixe de viver nada por conta de evitar o risco, mas sim, que a gente tente de alguma forma minimizá-lo. É esse, justamente, o objetivo do debate que acabou se instaurando aqui: qual a melhor maneira de viver essa relação com o ideal. De que jeito a gente cria expectativas em relação a alguém que não conhecemos - mas queremos conhecer - sem que nos decepcionemos quando descobrimos que essa pessoa não é capaz de atingi-las?

Anônimo disse...

Eu acho que o importante para evitar este problema da idealização é tentar
não definir rigidamente a priori o tipo de relacionamento e o tipo de pessoa que você quer.
É claro que é fundamental ser exigente na qualidade , no nível da pessoa (em termos caráter) e da relação.
Mas não dá certo definir que a mulher (ou o cara no seu caso) tem que ser assim ou assado e com ela (ou ele) você quer ter o tipo de relação x ou y.
Você tem que tentar mudar a pergunta.
O importante é , ao conhecer uma pessoa interessante, em vez de se perguntar : será que ela (ou ele) é
o meu ideal disso ou daquilo? mudar
a pergunta para : "poxa, que mulher (homem) encantadora e interessante.
Quero muito conhecê-la melhor. Qual será o tipo de relação que será
legal ter com esta pessoa?"
Eu percebo que gosto mesmo de alguém quando começo a ter esse tipo de "curiosidade" por ela e não com o fato da mulher se encaixar num padrão ideal qualquer seja do que for.
Isto não resolve todos os problemas (por exemplo nada adianta para o problema mencionado no meu post anterior) mas segura pelo menos em parte a onda desta coisa da idealização excessiva.

SS disse...

Boa, outroanonimo! (Aliás, quem é você? Por que não se identifica?)

A idéia de tentar mudar a ótica pela qual encaramos o (a) outro (a) é das melhores, desde que o questionamento do "tipo de relação que eu poderia construir com ele (a)" seja puro de verdade, ou seja, absolutamente livre de qualquer pré-conceito.
De nada adianta se perguntar alguma coisa pra qual já se tem uma resposta pronta, certo? E aí entra o que o GG colocou quanto à nadar no rasinho ou pular de cabeça: a gente pula de cabeça, mas sem ter certeza de nada, nem de que podemos nos estatelar numa enorme pedra, nem de que podemos estar fazendo o mergulho mais incrível de nossas vidas. A mágica está, justamente, na descoberta!

Anônimo disse...

Perfeita frase: “A magia está na descoberta!”. É igual aquele conceito de que o prazer da viagem está no caminho, não necessariamente no destino.

Sei q é cruel dizer isso, mas acho q o homem ou a mulher q vive idealizando parceiros deveria se tratar dessa patologia. Idealizar é quase um atestado de fracasso na relação. Afinal ninguém é capaz de corresponder a todas as expectativas, projeções ou idealizações do outro.

Gostei mto tb da analogia do GG qto a bater a cabeça no fundo ou pular no rasinho a vida toda. Eu como boa escorpiã gosto da profundidade e acabo sempre entrando de cabeça. Mas, sei lá, prefiro me arrepender de ter sentido do que de ter contido. E vcs pensam como?

Por ora, fico por aqui, acompanhando a discussão...q tá o bicho! rs

Anônimo disse...

Muitas frustrações são resultado não de estarmos realmente infelizes mas do nosso apego excessivo a idéias pré-concebidas de como as coisas deveriam ser. As vezes a nossa vida é muito boa e a gente não nota por que está perdendo tempo reclamando sem parar do fato de que as coisas não aconteceram exatamente como em nossos planos. Eu sei o quanto é dificil
combater este apego, que na realidade é só uma manifestação de onipotência infantil que disfarçamos dizendo que somos decididos e maduros e "sabemos o que queremos" mas é o único jeito de conseguirmos conhecer os outros mesmo e ver as coisas boas que eles tem (talvez não as coisas que esperavamos mas outras até melhores) para oferecer.
Assim é claro que é melhor pular de cabeça, se guardar pra que? a vida é curta demais para isso. Mas para não se decepcionar tanto basta pular com abertura para ver que as coisas podem ser muito legais mesmo que não sejam exatamente como idealizamos.
As mulheres mais interessantes que conheci eram totalmente diferentes de tudo que eu imaginava ser possivel.
Estar aberto para estas surpresas boas não é fácil mas é o bicho!
O copo de nossos sonhos nunca vai estar totalmente cheio na realidade. Mas porque olhar sempre para a metade vazia dele??

p.s. (desculpe sammy mas infelizmente não posso revelar minha identidade, pelo menos por enquanto)

SS disse...

Perai, antes de qualquer coisa, anonimo 1 é uma pessoa (a que escreveu o primeiro comment e que depois, pelo msn, se identificou - é a Maggie), outroanonimo é outra e esse anonimo de agora é uma terceira, certo? Isso ainda vai dar confusão... :P

Bom, o assunto tá tomando os mais diversos rumos, e isso é muito legal. Desde que eu comecei a escrever esse blog a idéia era justamente essa e eu fico feliz em estar atingindo meu objetivo.
Obrigada a todos, tanto os conhecidos quanto os ainda não!

E eu sigo insistindo no assunto que deu início à série...

O lance do ideal está, a meu ver, diretamente relacionado ao que o último anônimo diz sobre "idéias pré-concebidas de como as coisas deveriam ser". Talvez essa seja a chave da questão: além de nós mesmos, a sociedade, a mídia, nossas famílias, nos impõem que criemos relações pré-modeladas com pessoas que reunam determinados pré-requisitos. E nós nos permitimos essa pré-avaliação, criando parâmetros que instintivamente buscamos n o próximo.
Daí, quando surge alguém em nossas vidas que não corresponde a essa pré-concepção, criamos sobre ela uma imagem que a aproxime da nossa realidade, ou daquilo que desejamos que ela seja.
Corremos, então, o risco de uma grave decepção, já que não estamos recebendo em nossas vidas a pessoa como ela é, mas sim, como gostaríamos que fosse.

Dany, desculpa, mas eu tenho que discordar com parte do que você colocou. Não acho que todos os que idealizam um parceiro estão sofrendo de alguma psicopatia, até porque, como eu disse acima, o nosso cotidiano nos estimula a agir assim, e nós o fazemos mesmo que não tenhamos consciência disso.
Claro que alguns têm uma propenção maior que a de outros em insistir nisso, mas no fundo todos nós buscamos a pessoa que entendemos como CERTA, que atinja padrões estéticos, culturais, de comportamento... só que as pessoas normais não se importam em ir se divertindo com as erradas durante a busca!!! Ahahahahaha

Beijos pra todos!

Márcia disse...

Caramba, Sammy, vc me chamou pra dar opinião num assunto difícil, hein? Mas a coisa tá animada e vou meter o bedelho, sim.
Ai, ai, mas justo eu, mais perdida do que nunca!
Justo eu que não sei se vou de cabeça ou fico pulando rasinho como diz o Gustavo...
Vou ler com atenção, até porque agora tá rolando Vida de Inseto no DVD e não li com calma o post e o assunto merece um tantinho de reflexão e uma opinião decente.
Beijos!

SS disse...

Ueba! Chegou quem faltava pra isso aqui esquentar de vez...
Bem vinda à bagunça, Marcitcha!

E não se esqueça: NÃO DESLIGUE! SUA OPINIÃO É MUITO IMPORTANTE PRA NÓS, AQUI DO BLOG.

Ahahahahahaha

Beijo

Anônimo disse...

desculpe sammy o novo anonimo era o outro anonimo que sem querer saiu como anonimo.
não sou a maggie nem uma terceira pessoa.

SS disse...

Ótimo! Seguimos então com um único anônimo, que eu sigo curiosa pra saber quem é.
Não rola nem uma dica??? :)

Anônimo disse...

a única dica : eu não fui no seu aniversário no conversa fiada.

SS disse...

Mas eu te convidei?

Anônimo disse...

admito: eu fui radical na questão da psicopatia. É que levei pra um lado mais crônico mesmo. Ontem, conversando com uma amiga, ela me contou sobre alguns dos relacionamentos q teve e o aprendizado q tirou deles. E confessou q boa parte de suas frustrações amorosas se deu por causa de idealizações não correspondidas. Hj, depois de várias quedas, ela aprendeu. Acho q é isso: a experiencia é q vai nos salvar de novas quedas.
Talvez eu é q seja um ser diferente, pq nunca fui dada a idealizar pessoas. Em compensação peco em outras questões tb....c'est la vie.
Bjão

SS disse...

Pra Dany:
Você é uma mulher de sorte! Poucas são as que não criam esse tipo de espectativa. Você podia ensinar esse segredo pra gente, né?
:P
Beijão!

Pro outroanonimo:
Eu não quiz te afastar nem te ofender com a pergunta! Lendo agora, vejo que solta aí ela não foi realmente das mais simpáticas :)
Mas o objetivo é o de tentar descobrir quem você é, já que você não quer contar. E, se você estava entre as pessoas que eu convidei, sinal de que é meu amigo, de que me conhece, e isso diminui consideravelmente o meu campo de pesquisa, né?
De qualquer maneira, se não quiser responder, fique à vontade. Só não deixe de continuar opinando, já que os seus comentários, além de sempre bem vindos, são muito inteligentes e bem escritos. :)