08 maio 2006

Razoavelmente feliz - Martha Medeiros

Dany, esse é quase que especial pra você, que é fãzoca da Martha Medeiros.
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Razoavelmente felizes
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LÁ VAI ELA, TODA SEGURA COM SEU casaquinho Chanel, comandar mais uma reunião da empresa, a superprofissional, mulher independente, decidida, bonita, bem-resolvida, com saldo invejável no banco, amigos diversos, saúde pra dar e vender.
Ela é razoavelmente feliz.
Seria estupidamente feliz se tivesse um cara esperando por ela em casa pra fazer uma massagem nos pés e dividir uma pizza. Está sem namorado desde antes de Cristo.
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Que tal aquele garotão ali, não estará avulso, disponível? Não, não estará. O garotão sarado tem uma namorada linda, eles correm no calçadão todas as manhãs, parecem um casal de propaganda de leite desnatado, e não pense que são dois descerebrados: são inteligentes, belos, saudáveis, possuem um bom papo, estão de bem com a vida, adoram viajar pra Europa, comprar livros de arte e alugar DVDs.
Mas não têm feito nada disso, correm no calçadão porque é de graça, nunca estiveram tão duros.
Ela, arquiteta, está sem um projeto há cinco meses. Ele, engenheiro e igualmente desempregado, tem segurado a barra dando aula particular de italiano. Sabe quantas pessoas estão a fim de aprender italiano?
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Aquela senhora ali quer. Está doente para aprender italiano. Já se aposentou, os filhos estão bem criados e distribuídos pelo mundo, e o marido segue na ativa em todos os sentidos. Ela nunca se sentiu tão linda depois que fez vários reparos faciais e vive num megaapartamento com vista para todo o azul e todo o verde da cidade, e o tempo que lhe sobra é igualmente escancarado: está lhe faltando um compromisso, uma ocupação, um sentido pra vida. Aprender italiano, fazer origami, um curso de roteiros, alguém lhe dê uma idéia que a deixe mais do que razoavelmente feliz, que a deixe insuportavelmente feliz.
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“Vendem-se idéias”, está no anúncio da agência de publicidade cujo dono é aquele sujeito ali bem de grana, bem de mulher, bem-realizado no ofício que escolheu, até meio famosinho por conta dos prêmios que abocanhou. Mas ele acorda com dores lombares, tem tido uns acessos de tosse, está com os dias contados, é no que pensa dia e noite, o coitado. Não adianta o médico dizer que sua saúde está perfeita e que vai chegar inteiraço aos 100 anos, ele se sente condenado, vive e ama como se não houvesse amanhã, igualzinho à música do Renato Russo. O cara vive razoavelmente feliz suas 24 horas de cada vez, mas seria diabolicamente feliz sem a hipocondria, sem as palpitações que não acusam nada além de ansiedade.
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A felicidade é uma mesa de três pés, há sempre uma pendência. Equilíbrio total, todos os lados funcionando, nadinha pra reclamar? Impossível. A vida não teria a mínima credibilidade sem o pedaço que falta.

4 comentários:

Anônimo disse...

Céus, um post dedicado à minha idolatria pela Marta Medeiros!!!
Obrigada, Sammy! Tô até emocionada. ;)
Texto lindo mesmo. Aliás, como tudo que ela escreve.
Valeu.
bjs mil
Dany
ps: como retribuição, aí vai (finalmente) o end do blog (mesmo sem template novo). Vc é minha convidade de honra

Anônimo disse...

Ah, Marcinha, vc tb é convidada de honra! ;)
bjs

Márcia disse...

Dany, obrigada! Passei por lá e já virou parada obrigatória!

Sobre o post... acho que estão me faltando duas pernas! Ahaha!

Beijos

SS disse...

Aeeeeeeeee... até que enfim, hein!?!?
Tô indo lá conferir!

Beijos pras duas