19 maio 2008

O relógio suiço - Juliana Kunzel

O RELÓGIO SUIÇO

Era um casal de meia idade fazendo sua primeira viagem a Europa. Um sonho realizado! Sonho de consumo cultural e material, dadas circunstâncias verídicas desse fato.
Assim que se viu com a passagem na mão e com o roteiro da viagem pronto, Luciano sentiu-se realizado ao constatar que passariam pela Suíça, terra onde se fabricam os melhores relógios do mundo. Logo, esbravejou:
- “Eu quero um relógio suíço!!! A primeira coisa que farei ao chegar na Suíça, será comprar um relógio suíço!!! Um autêntico relógio suíço!
Bem, é preciso ressaltar que esta frase foi repetida inúmeras vezes: na França, enquanto visitavam o Louvre, na Alemanha, aof otografarem o recém demolido muro de Berlim, na Itália, onde passearam por entre os canais de Veneza.
Sua esposa, Marinete, já se encontrava no limite da razão, afinal de contas, planejara aquela viagem como uma segunda lua de mel, e seu amado só pensava e só falava no tal relógio suíço que iria comprar assim que chegassem a Suíça.
Finalmente, após quinze dias de tormento, desembarcaram emZurique, a fim de passar somente dois dias. E dois dias de mais tormento se seguiram para Marinete, à procura do “perfeito relógio suíço”.
Nada agradava Luciano, entraram e saíram de todas, todas as relojoarias de Zurique e nada o encantava. Até que finalmente Deus atendeu as preces da pobre esposa, faltando duas horas para embarcarem no trem rumo a Berna, de onde pegariam um vôo direto para o Brasil, Luciano encontrou o que procurava: um autêntico relógio suíço, com uma charmosa pulseira de couro marrom, que contrastava com o discreto dourado da borda do relógio. Perfeito!
Luciano estava feliz, Marinete, aliviada, pois não precisaria mais ouvir as lamúrias acerca do relógio. Após uma hora de viagem no trem, Marinete dormia com os anjos até ser surpreendida por gritos de pavor:
- “Marinete!!! Marinete!!! Ele caiu!!! O ponteiro caiu!!! O ponteiro do meu relógio suíço caiu!!! Não é justo, relógio vagabundo!!! Marineteeeeee!!! O ponteiro caiu!!!
Ela titubeou em abrir os olhos, mas não tinha jeito, era o seu carma, os outros passageiros não haviam dito sim diante do altar, portanto não precisavam também acordar com mais gritos. De forma serena, ela respondeu:
-“Deixe me ver, Luciano.”
Ela, claro, percebeu o óbvio:
-“Luciano, se acalme, o ponteiro não caiu. São exatamente três e quinze, ou seja, um ponteiro esta em cima do outro, espere mais um minuto que ele aparecerá".
Esse foi o minuto mais longo da vida de Luciano, mas enfim o ponteiro apareceu.
Seguiram a viagem tranquilamente. Chegaram em Berna, fizeram o check in e embarcaram num vôo rumo ao Brasil.
-“Aí, que saudade do feijão!” Exclamou Marinete ao se acomodar na poltrona do avião.
Luciano não conseguia conter a sua satisfação, voltaria de sua tão sonhada viagem a Europa, com o seu tão sonhado relógio suíço reluzindo em seu pulso. Que lindo relógio adquirira, provocaria muita inveja ao chegar no trabalho ostentando tal adorno. Um relógio suíço! Estava enamorado, não tirava os olhos daquela beleza. Resolveu examina-lo mais uma vez.
Tirou do pulso, conferiu os ponteiros, verificou a pulseira, olhou na parte de trás e para sua surpresa leu: “ MADE IN JAPAN”, traduzindo: fabricado no Japão.
Pobre Luciano, algo dentro dele se partiu ao ler aquelas cruéis palavras.
E na penumbra do avião, num vôo tranqüilo, eis que rompeu-se o silêncio:
-“Marinete!!! É japonês!!!
O meu relógio suiço é japonês!!!
Japonês!!!

Minha amiga, Juliana Kunzel, venceu um concurso de crônicas com esse texto. Mas o melhor de tudo é conhecer os personagens desse episódio e saber que tudo o que está escrito aí aconteceu MESMO!!!
Só "Homer 'Gumercindo' Simpson pra aprontar uma dessas.

Parabéns, Jú!!!

2 comentários:

Anônimo disse...

Ai, Sá, adorei! Com um incentivo desses estou me sentindo,né? Beijos e obrigada

GG disse...

Ótimo texto. Exemplifica bem as situações onde deixamos de aproveitar o presente para focar exclusivamente no futuro.

Parabens para a autora.